Basta
"É doutor, seu titanic afundou,
quem ontem era caça hoje, pá, é o predador
que cansou de ser um ingênuo, humilde, pacato
empapuçou, virou bandido, não deixa barato"
Racionais MC´s
Vejo um assalto na minha frente, bem debaixo do meu nariz. Uma senhora, de aparentes 50 anos, agora sem cordão de ouro e celular, sai do carro assustada. Gritando contra a injustiça, acha inconcebível ser assaltada na Lagoa Rodrigo de Freitas. A que ponto chegamos? A ousadia dos criminosos não tem limites, nem a Zona Sul está segura. Provavelmente, será mais uma a estender na varanda de seu apartamento uma faixa com a palavra BASTA escrita em vermelho sangue. Deve achar que assim está cumprindo seu dever cívico de protestar contra a violência que assola a outrora cidade maravilhosa. Para denunciar a violência sofrida, uma faixa e muitos gritos. Para denunciar a sonegação e lavagem de dinheiro do marido, nem uma palavra. Um silêncio complacente regado a champanhe. Silêncio este que se estende aos gritos, com tons de sangue vermelho, que vêm de fora da Zona Sul. Vêm das favelas, das periferias que, por mais altos que sejam, não encontram ressonância nos jornais preferidos da zona sul. Gritos afônicos. Cobertura de jornal, nesse caso, só para os cadáveres.
Quando um filho da Zona Sul morre, dá-lhe passeatas, protestos e gritos indignados. Mobilização devidamente coberta pela imprensa. Quando morre alguém na favela, o silêncio fúnebre lhe é destinado. Nenhuma passeata na praia, ninguém vestido de branco. Afinal, estamos acostumados com mortes em favelas. Já faz parte da rotina carioca. O filho da empregada pode morrer. Deve ser ladrão, envolvido com o tráfico. Um a menos. Mas quando o filho da madame que vai no morro comprar maconha e pó morre, luzes, câmera, ação, o espetáculo da indignação vai começar. Como ninguém pensou nisso antes? Para acabar com a violência, passeatas!
A miopia da Zona Sul carioca se alastra como epidemia. Se não faz parte da solução, seja bem-vindo à parte do problema. Os vidros fumês devem embaçar a visão da realidade. Para mudá-la, não adianta virar a cara quando alguém bate no vidro do seu carro. A realidade continuará lá. Inalterada. Injusta. De nada adiantam as grades dos condominios, os vidros blindados, os seguranças, as passeatas. A realidade aqui fora continuará igual. Desigual.
Em um Rio de Janeiro onde ecoam gritos e silêncios, a corda nem sempre arrebenta pro lado mais fraco.
E eu, de braços abertos sobre a Guanabara, nada posso fazer.
quem ontem era caça hoje, pá, é o predador
que cansou de ser um ingênuo, humilde, pacato
empapuçou, virou bandido, não deixa barato"
Racionais MC´s
Vejo um assalto na minha frente, bem debaixo do meu nariz. Uma senhora, de aparentes 50 anos, agora sem cordão de ouro e celular, sai do carro assustada. Gritando contra a injustiça, acha inconcebível ser assaltada na Lagoa Rodrigo de Freitas. A que ponto chegamos? A ousadia dos criminosos não tem limites, nem a Zona Sul está segura. Provavelmente, será mais uma a estender na varanda de seu apartamento uma faixa com a palavra BASTA escrita em vermelho sangue. Deve achar que assim está cumprindo seu dever cívico de protestar contra a violência que assola a outrora cidade maravilhosa. Para denunciar a violência sofrida, uma faixa e muitos gritos. Para denunciar a sonegação e lavagem de dinheiro do marido, nem uma palavra. Um silêncio complacente regado a champanhe. Silêncio este que se estende aos gritos, com tons de sangue vermelho, que vêm de fora da Zona Sul. Vêm das favelas, das periferias que, por mais altos que sejam, não encontram ressonância nos jornais preferidos da zona sul. Gritos afônicos. Cobertura de jornal, nesse caso, só para os cadáveres.
Quando um filho da Zona Sul morre, dá-lhe passeatas, protestos e gritos indignados. Mobilização devidamente coberta pela imprensa. Quando morre alguém na favela, o silêncio fúnebre lhe é destinado. Nenhuma passeata na praia, ninguém vestido de branco. Afinal, estamos acostumados com mortes em favelas. Já faz parte da rotina carioca. O filho da empregada pode morrer. Deve ser ladrão, envolvido com o tráfico. Um a menos. Mas quando o filho da madame que vai no morro comprar maconha e pó morre, luzes, câmera, ação, o espetáculo da indignação vai começar. Como ninguém pensou nisso antes? Para acabar com a violência, passeatas!
A miopia da Zona Sul carioca se alastra como epidemia. Se não faz parte da solução, seja bem-vindo à parte do problema. Os vidros fumês devem embaçar a visão da realidade. Para mudá-la, não adianta virar a cara quando alguém bate no vidro do seu carro. A realidade continuará lá. Inalterada. Injusta. De nada adiantam as grades dos condominios, os vidros blindados, os seguranças, as passeatas. A realidade aqui fora continuará igual. Desigual.
Em um Rio de Janeiro onde ecoam gritos e silêncios, a corda nem sempre arrebenta pro lado mais fraco.
E eu, de braços abertos sobre a Guanabara, nada posso fazer.
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